GOOGLE VENCE DISCUSSÃO SOBRE PUBLICIDADE INFANTIL
27-Sep-2017 A Google Brasil conseguiu se livrar, na Justiça, de exigências que estavam sendo feitas pelo Ministério Público Federal (MPF) para a veiculação de conteúdos
direcionados às crianças. O órgão pleiteava há mais de um ano, por meio de uma ação civil pública, que a empresa passasse a ser obrigada a classificar
como "abusivo" ou "proibido" os vídeos publicados no Youtube em que há merchandising ou promoção de produtos voltados ao público infantil.
Havia, no processo, dois pedidos: um deles para que constasse aviso de alerta em cada um desses vídeos e o outro para que tais publicações fossem incluídas
na página de denúncia de conteúdo impróprio.
Uma das principais alegações do MPF - e que serviu de base aos pedidos à Justiça - é a de que essas práticas de publicidade são consideradas abusivas pela
Resolução 163 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda). Há citação ainda, no processo, a dois artigos do Código de Defesa
do Consumidor, o 37 e o 39, que tratam sobre a deficiência de julgamento e experiência da criança.
O juiz que analisou o caso, Miguel Angelo Alvarenga Lopes, da 10a Vara Federal de Belo Horizonte, considerou, no entanto, que deveria ser aplicada a Lei
no 12.965/2014 - o Marco Civil da Internet. "É sob esse regime jurídico que a empresa ré [Google] exerce as suas atividades no Brasil", afirma na decisão.
Entre os princípios básicos da legislação, segundo o magistrado, estão as garantias de expressão, comunicação e manifestação do pensamento. Ele destaca,
na sentença, que o artigo 19, para assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, define que o provedor de aplicações na internet só poderia
interferir em conteúdos gerados por terceiros depois de ordem judicial específica para isso.
"A empresa não tem a obrigação legal de realizar o controle prévio sobre vídeos postados por seus usuários", diz o juiz na sentença (processo no 0054856-33.2016.4.01.3800).
Cabe recurso da decisão.
Advogados da área afirmam que desde a publicação da resolução do Conanda - a mesma usada pelo MPF como base aos pedidos envolvendo a Google - ficaram
mais frequentes as ações e aplicação de multas por campanhas dirigidas ao público infantil. Tanto por iniciativa do Ministério Público, como dos
Procons e entidades que atuam pela proteção das crianças e dos adolescentes.
Já foram alvos, por exemplo, campanhas da gelatina Royal (a empresa foi multada em quase R$ 500 mil por um concurso em que as crianças, para concorrer
a brindes, precisavam enviar vídeo imitando personagens do desenho Bob Esponja) e também as redes McDonald's e Habib's (multadas, respectivamente,
em R$ 3,2 milhões e R$ 2,4 milhões pela veiculação de publicidade de alimentos que vinham acompanhados de brinquedos colecionáveis).
No Judiciário, apesar de não haver ainda entendimento pacificado sobre o tema, as empresas também estão em desvantagem. O caso de maior repercussão
para o mercado envolve a Bauducco. Foi o primeiro sobre a ser julgado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). A 2a Turma, em março de 2016, analisou
uma campanha que envolvia a aquisição, pelo público infantil, de um relógio do personagem Shrek (Resp no 1.558.086). Para conseguir o "brinde",
a criança precisava apresentar cinco embalagens de um biscoito da marca e pagar R$ 5.
Os ministros consideraram a campanha abusiva. As discussões, nesse caso, envolveram temas como venda casada e incentivo ao consumo de açúcar. "A autoridade
para decidir sobre a dieta dos filhos é dos pais", diz na decisão o ministro Herman Benjamin.
Coordenador do curso de Direito Digital do Insper, Renato Opice Blum, sócio do Opice Blum Advogados, entende que com a internet houve um aumento de
conteúdo aberto suscetível a causar interferência no comportamento das crianças e concorda que deve ser motivo de preocupação. Por outro lado,
diz, "existe um hiato entre a situação atual e o que estabelece a legislação".
No caso envolvendo a Google, por exemplo, o advogado entende como correta a decisão da Justiça. Isso porque, pondera, a lei considerada como o marco
civil possibilita o controle prévio apenas a questões relacionadas a direitos autorais ou aos casos em que há legislação específica - como as situações
de pornografia infantil.
"Sobre a publicidade nós temos o Código de Defesa do Consumidor, o Estatuto da Criança e do Adolescente e a resolução do Conanda. Todos eles falam
sobre proteção, mas como uma obrigação genérica", diz Opice Blum. "Para complementar o marco civil deveriam ir além e tratar especificamente da
plataforma e da responsabilização da empresa."
Para o advogado André Mendes, do escritório L.O. Baptista, a questão envolvendo a empresa é "ampla demais". "Não estamos falando de um caso específico,
mas da avaliação prévia de conteúdo", afirma. Já sobre as restrições à publicidade infantil, Mendes considera que possam "ferir a livre iniciativa"
do mercado.
Ele questiona o fato de a resolução do Conanda ter força de lei. Entende que, para isso, deveria haver uma discussão no Congresso sobre o assunto -
com a realização de audiências públicas e a previsão de um período de transição para que as empresas possam se adaptar a novas regras. "Isso não
pode ser feito do dia para a noite e por meio de uma resolução arbitrária."
Procurado pelo Valor, o Ministério Público Federal não deu retorno até o fechamento da edição.
Por Joice Bacelo
Fonte: Valor